Estamos quase
— É já ali, estamos quase!
O Samuel já tinha dito aquilo várias vezes durante aquele passeio. A menina que o seguia era um pouco mais alta do que ele, mas estava tão curvada a tentar subir a encosta que era difícil perceber qual deles era mais novo.
Ela tinha conhecido o Samuel naquela casa com as luzes que faziam barulho e com gente sem cara. Sabia que o pai e a mãe estavam lá mas não se lembrava muito deles. Lembrava-se do Samuel. Do dói-dói que sentia dentro, pior do que quando tinha caído da bicicleta. Foi quando o ouviu pela primeira vez.
— Só mais um bocadinho.
Ele tinha dito “Têm a cara tapada par nos proteger”.
— É ali!
Desde a casa com as luzes barulhenta e as pessoas de cara tapada que era difícil respirar. Ou será que já era antes? Lá conseguiram ambos chegar ao cimo do monte. A cabeça ficou leve, muito leve, e o Samuel teve que a agarrar.
— Tem calma que estamos quase lá.
— Estás a dizer isso desde o hospital. — Onde é que tinha aprendido aquela palavra?
— Eu sei. Mas o pior já passou.
Tinha sido mesmo pior antes. O quente. O escuro. O ar que magoava. Talvez fosse por isso que o tinham levado para o hospital. Sentados no chão, olharam em volta. Agora ia ficar bem. Depois do ar que magoava a garganta e fazia arder o peito. Agora conseguia respirar fundo. O pior tinha passado.
Tudo ia ficar bem.