Gosto de histórias.

Estamos Perdidos


— Estamos perdidos.
— Não estamos nada, está lá calada.
Mariana suspirou profundamente. Ao fim de 4 horas de viagem, estava exausta. O carro era espaçoso e confortável, mas o dia tinha sido cansativo e noite anterior... longa.
Ricardo, o seu marido há menos de 48 horas, tentava olhar dissimuladamente em volta.
“Aha!” Ao longe vislumbrou uma estação de serviço, a única luz que num mar de escuridão.
— Vais finalmente perguntar direcções? - Perguntou Mariana, ao perceber a mudança de direcção. Ricardo fingiu que não ouviu.
— Vou só meter gasolina, estamos quase lá.
‘Claro’ pensou Mariana, enquanto tirava o seu smartphone da mala com um gesto enfadado.
Ricardo, tão distraído que estava em tentar preservar o seu orgulho masculino, nem se apercebeu da falta de sinais de vida naquela zona. Olhou em volta. Tinha parado o carro ao lado de uma das duas bombas, postas lado a lado, atrás da qual estava um pequeno edifício, uma mercearia talvez? Por cima, a coberta típica de um posto de abastecimento.
Mas nesse momento reparou também que as bombas em si, mais do que velhas, eram antiquadas. Aqueles modelos eram coisas que se viam nas fotografias a preto e branco.
— Ó da casa! Está alguém? - Assim que terminou a frase, viu a placa SELF-SERVICE. Mas será que aquele sitio estava aberto?
— Precisa de ajuda? - Um homem de barba grisalha e macacão azul esfregava as mãos com um trapo, tentando tirar óleo preto delas.
— N-Não… Não tinha reparado no sinal. — Ricardo virou-se demasiado depressa para a origem da voz.
— Ah! Não se preocupe. Isso é mais para as horas de ponta. — respondeu o velho, num sotaque beirão
— S-Sim — balbuciou o noivo, enquanto pensava o que poderia ser “hora de ponta” naquele meio de nenhures.
— Gasóleo? É p’ra atestar? - o homem caminhou até a bomba e, com o desinteresse de quem fez aquele mesmo gesto incontáveis vezes, inseriu a boca da mangueira no depósito do carro.
Dentro do carro, Mariana tinha começado a falar com alguém ao telemóvel.
— Noite complicada? — perguntou o homem. “Alberto” estava bordado no bolso do macacão.
— Nem imagina. — disse, mais alto do que queria — Estou a tentar chegar ao Hotel Avelã. Sabe dizer-me para onde tenho que ir?
— Hotel? Não há nada disso por estes lados. Tem a certeza que está no sítio certo?
“Raios…” pensou Ricardo, enquanto tirava um mapa de dentro do carro. Com o olhar ora no papel amachucado, ora nas redondezas, tentou perceber qual o momento da viajem em que tinha feito asneira.
— Um mapa? Não é costume ver alguém com a sua idade a usar um desses. Não tem um daqueles espertofones? — perguntou Alberto.
— Acho que sou antiquado, o meu telemóvel não tem GPS e o dela… — ambos olharam discretamente para Mariana, que manipulava com destros polegares o rectângulo brilhante — …está com outro uso.
— Essas modernisses… Quem me dera ter tido isso quando era mais novo, ao menos assim não tinha passado tanto tempo a aturar a minha Maria, Deus a tenha.
Ricardo hesitou por uns momentos, sem saber como reagir.
— Sempre a chatear-me a pinha. Mas o amigo deve saber como é. Sempre a falar, falar, falar.
A face de Ricardo traía a profundidade dos pensamentos e memórias em que tinha caído. Alberto continuou.

Ricardo não tinha isso. Quando ele queria falar, ela estava a trocar sms’s com as amigas. Quando queria
Quando precisava de desabafar, ela estava
Um sonoro “tlin!” marcou que o depósito estava cheio e arrancou Ricardo aos seus pensamentos.
— Quanto lhe devo? — Perguntou, com uma pequena mecha a ganhar força nos seus olhos.

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janeiro / 2015